Saturday, December 3, 2011

Elogio ao amor, por Miguel Esteves Cardoso



Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão alimesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia aspessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nascostas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.
O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Friday, June 17, 2011

Muack Muack

Adoro a colecção desta nova loja online
Vão colocando novos artigos progressivamente e os preços são bastante acessíveis 
(dentro do género inditex)
O catálogo está lindo e as fotos tiradas pelo Miguel Manso estão perfeitas!




Friday, January 21, 2011

Dos textos encontrados...

"O amor quer-se sujo"

Eu concordo e apoio. Concordo e apoio mas explico a minha perspectiva, claro, que isto do “sujo” pode suscitar muito tipo de interpretação (especialmente por aqui…).
Amor. Sujo.
Amor daquele que nos faz dobrar em dois de antecipação, que nos faz salivar. Que nos faz sonhar sonhos daqueles gritados e suados e tremidos. Que nos faz dizer as palavras “amo-te” ao ritmo dos batimentos do coração (a – tun-tun – mo – tun-tun – te – tun-tun…).
É tudo muito bom e tudo muito bem, mas não é com falinhas mansas que o pessoal chega lá.
É preciso que haja um certo indecoro, uma certa má educação, uma certa falta de pudor.
É preciso mostrar o nosso lado mais básico e primitivo. É preciso deixar que o sentimento que nos consome as entranhas se mostre através delas, num caos desconexo, ardente, desorganizado, tumultuoso… doloroso, até.
É preciso querer ser comido e fodido por aquela pessoa, por “oposição” a fazer amor com ela (isso vem depois…). É preciso, no meio de uma sala cheia de gente, dizer “Fodia-te. Aqui e agora. Fodia-te”.
É preciso haver raiva contra aquela pessoa por ela nos fazer querer ser possuídos até ao tutano, raiva por ela nos fazer querer possuí-la até cegarmos. Raiva e rancor daqueles que fazem do chão de uma cozinha o mais perfeito e ideal dos locais para se comer…
É preciso haver palavras rudes e brutas, cruas e nuas que dizem logo no imediato o que se quer e deseja. É preciso resvalar o confrangimento e a contenção para o desaparecimento.
É preciso saber qual o som dos gemidos mais profundos da pessoa, o sabor da sua pele suada, a força das suas mãos quando nos agarram, a intensidade da sua respiração quando lhe beijamos o pescoço, mordemos a orelha.
É preciso saber ao que soa um “não pares” aflito e suplicante. É preciso saber qual o toque da sua língua em todo o nosso corpo.
É preciso roçar o limiar da dor, o limiar do incómodo, o quase deixar marca permanente.
É preciso saber ao que soam gritos e palavras rasgadas por bocas sedentas. É preciso saber com que cor luzem olhos inchados e semi-fechados de prazer.
É preciso saber qual a dor de uma mordida dada por tanto se querer. É preciso saber o que é sentir dedos a entrarem-nos pela boca a dentro, procurando a nossa língua, e calando-nos assim do grito que viria fazer companhia à dor anterior.
É preciso saber o que é ficar-se com o cheiro daquela pessoa pelo corpo, com o sabor dela entranhado na boca. É preciso saber-lhe o cheiro e o sabor de cor.
É preciso querer inspirar e lamber aquele corpo, mesmo sabendo-o não totalmente próprio para tal. É preciso abocanhar e lamber e sugar, sem medo de nada. É preciso saber o que é ter aquele corpo a deslizar pelo nosso, num frenético chinfrim de suor e saliva.
É preciso saber como a pessoa se vem, como geme quando se vem, como treme, como sustem ou não a respiração, de que forma se lhe abre a boca e fecham os olhos. É preciso saber de que maneiras diferentes se vem. É preciso saber e perceber as diferenças entre a força explosiva de certos orgasmos e a doçura dilacerante de outros.
E é preciso que a outra pessoa saiba o mesmo sobre nós.
O Amor, daquele que dói e faz doer, ou seja, o único que vale a pena, tem de ser visceral, para além da carne, para além da partilha. Tem de nos fazer ferver o sangue, perder os sentidos, ganhar nova vida. Tem de nos fazer sofrer com o desejo de querer sentir de novo aquelas mãos, de sentir de novo aquele sabor, aquela boca a respirar ofegante no nosso corpo.
O Amor quer se queira, quer não, quer-se sujo, desbocado, barulhento, rufia, mal-cheiroso, e, de vez em quando, armado em parvo com tudo e todos, fodido com tudo e todos.
E nada, mas nada, faz tão bem à vida do amor do que duas pessoas saberem estas coisas todas uma da outra e amarem-se por e para isso. De entre todas as outras razões que possam ter para se amarem, terem estas.
E aí sim, ama-se, diz-se Amo-te de boca e peito cheio e sabe-se exactamente o porquê de o dizermos e sentirmos.
Sujo. Definitivamente.

"Arrancado" descaradamente daqui - outramerdaqualquer.blogspot